Seguidores

sábado, janeiro 24, 2015

MOURA ENCANTADA

Moura encantada
As moiras ou mouras encantadas são espíritos, seres fantásticos com poderes sobrenaturais dos folclores português e galego. São "seres obrigados por oculta força sobrenatural a viverem em certo estado de sítio como que entorpecidos ou adormecidos, enquanto determinada circunstância lhes não quebrar o encanto".1 Segundo antigos relatos populares, são as almas de donzelas que foram deixadas a guardar os tesouros que os mouros encantados esconderam antes de partirem para a mourama.
As lendas descrevem as mouras encantadas como jovens donzelas de grande beleza ou encantadoras princesas e "perigosamente sedutoras".2 3 Aparecem frequentemente cantando e penteando os seus longos cabelos, louros como o ouro ou negros como a noite, com um pente de ouro, e prometem tesouros a quem as libertar do encanto.
Podem assumir diversas formas e existe um grande número de lendas, e versões da mesma lenda, como resultado de séculos de tradição oral. Surgem como guardiãs dos locais de passagem para o interior da terra, os locais "limite", onde se acreditava que o sobrenatural podia manifestar-se. Aparecem junto de nascentes, fontes, pontes, rios, poços, cavernas, antigas construções, velhos castelos ou tesouros escondidos.
Julga-se que a lenda das mouras terá a sua origem em tempos pré-romanos. As mouras encantadas apresentam várias características presentes na Banshee das lendas Irlandesas. Também na mitologia Basca, os Mairu (mouros) são os gigantes que construíram dólmens e os cromeleques. Na Sardenha podemos encontrar os domus das Janas (casa das fadas).
Leite de Vasconcelos levantou a hipótese de as mouras encantadas poderem ter assimilado as características de divindades locais, como ninfas e espíritos da natureza. O mesmo juízo fazia Consiglieri Pedroso ao considerar as mouras "génios femininos das águas".
Na Península Ibérica, as lendas de mouras encantadas encontram-se também na mitologia Galega e Asturiana. Na tradição oral portuguesa, as Janas são uma outra variante de donzelas encantadas. Na mitologia polaca, a Mora é o espírito que deixa o corpo dos humanos à noite durante o sono. Na mitologia da Letónia, Māra é a deusa suprema. Na mitologia escandinava, Mara ou Mare é o espírito errante que deixa o corpo das mulheres durante a noite e causa pesadelos.
Etimologia
"poisámoira" ou mariposa
Especula-se que o termo "mouro", nesta acepção, não derivaria do latim maurus ("habitante da Mauretânia") mas do proto-celta *mrwo> *marwo que significa morto.6 Outra teoria é que o termo possa derivar da palavra grega "moira" (μοίρα), que literalmente significa "destino", e das Moiras, divindades originárias da mitologia grega. Também se considera uma possível origem a palavra latina "maurus", "obscuro", nome dado aos nativos da Mauritânia.
Outra corrente indica que a origem poderá vir das palavras celtas "mori", que significa mar, ou "mori-morwen", que designa sereia, provavelmente relacionando as mouras com as ondinas ou as ninfas, os espíritos sub-humanos que habitavam nos rios e nos cursos de água.
Uma outra possível origem de moura (moira), também de origem celta, é "mahra" e "mahr", que significa espírito.
7 Variantes de Mouras
A moura-fiandeira carregou a Pedra Formosa à cabeça enquanto fiava
A Princesa Moura é uma muçulmana encantada que habita um castelo e apaixona-se por um cavaleiro cristão do tempo da Reconquista. A Lenda da Moura Salúquia é uma outra variante: em vez de um cristão, o amor da Princesa Moura é um mouro. Muitas destas lendas tentam explicar a origem de uma cidade e evocam personagens históricas, outras lendas apresentam um carácter religioso como acontece na lenda de Oureana. No contexto histórico, os lugares, as pessoas e acontecimentos situam-se num mundo real, e existe uma localização temporal bem definida. No entanto, é possível que factos reais se tenham simplesmente fundido com antigas narrativas lendárias.
A Moura-fiandeira transporta pedras sobre a cabeça e fia com uma roca à cintura. A tradição popular atribui a estas mouras a construção de castros, citânias, e outros monumentos megalíticos. As moedas antigas encontradas nas citânias e castros eram chamadas de "medalha das mouras". A Pedra Formosa encontrada na Citânia de Briteiros terá sido, segundo narrativas populares, levada à cabeça para este local por uma moura que fiava uma roca.
Quem se sentasse em uma Pedra-Moura ficaria encantado, ou se alguma pedra encantada fosse levada para casa, os animais poderiam morrer. As "Pedras-moura" guardavam riquezas encantadas.8 Existem várias lendas em que a moura, em vez de ser uma pedra, vive dentro de uma pedra.9 "A moura, porém, na nossa tradição como que vive dentro da pequena pedra que é arrojada no rio. Mas as fairy irlandesas também vivem no interior das pedras."10 Na tradição popular diz-se que no penedo «entra-se para dentro» e «sai-se de dentro», dizer possivelmente relacionado com as lendas das mouras. A moura é também descrita a viajar para a mourama, sentada numa pedra que pode flutuar no ar ou na água. Dentro de grutas e debaixo das pedras, muitas lendas falam que existem palácios com tesouros.
A Moura-serpente é uma moura encantada que pode tomar a forma de uma serpente. Algumas destas mouras serpentes, ou mouras-cobra, podem ter asas e podem aparecer como meio mulher meio animal, como na lenda da serpente de Noudar ou do Monte d'Assaia.
A Moura-Mãe toma a forma de uma jovem encantada que está grávida, e a narrativa centra-se na busca de uma parteira que ajude no nascimento e na recompensa que lhe é dada.
A Moura-Velha é uma mulher idosa; as lendas em que aparecem mouras com figura de velha não são frequentes.
Elementos das lendas
casa da moura
sepulturas cavadas na rocha chamada Masseira, onde a moura amassa o pão.
O ouro das Mouras pode aparecer em variadas formas: figos, pedras, carvões, saias, meadas, animais e instrumentos de trabalho. Existem diferentes meios de se obter o ouro: pode ser oferecido pela moura como recompensa, roubado, ou achado.
Frequentemente está dentro de um vaso, escondido dentro de panelas enterradas ou outros recipientes, o que já levantou a questão se seria alguma alusão a uma urna cinerária.
É no dia de São João que se acredita que as mouras aparecem com os seus tesouros, quando se pode quebrar o seu encantamento. Em algumas lendas é neste dia que a moura encantada espalha os figos num penedo, ao luar. Noutras variantes, a moura espalha os figos ou a meada de ouro ao sol em cima do penedo. Estas lendas estão possivelmente relacionadas com a tradição popular de, nalgumas regiões, apanhar-se o figo lampo no dia de São João, um figo branco que se levava de presente. Este dia marca a data do solstício de Verão, sendo a sua referência talvez a reminiscência de algum culto solar pagão.
A fonte é um dos locais que as mouras aparecem frequentemente, muitas vezes como serpentes. Muitas vezes eram atribuídas virtudes mágicas às suas águas, como na Fonte da Moura Encantada. Também é do costume popular dizer de quem casou em terra alheia, "bebeu da fonte" e ficou enamorado, numa alusão às lendas em que os jovens se apaixonam e ficam encantados pelas mouras.
O encantamento da moura pode ser causado pelo pai ou algum outro mouro (ou génio) que a deixou a guardar os tesouros, geralmente uma figura masculina. São geralmente os mouros que têm o poder de encantar as mouras. Nas lendas, a moura pode aparecer sozinha, acompanhada de outras mouras encantadas, ou de um mouro, podendo este ser um pai, a pessoa amada, ou um irmão.
Para se realizar o desencantamento da moura, pode ser solicitado segredo, um beijo, um bolo ou pão sem sal, leite, o pronunciamento de algumas palavras, ou a realização de alguma tarefa, como não olhar para algo velado e aguentar a curiosidade. Falhar é não desencantar a Moura e "dobrar o encanto", não obter o tesouro desejado ou perder a moura amada.
Nas lendas em que é solicitado o pão, levanta-se a hipótese de estarem relacionadas com a antiga tradição de se oferecer alimento aos defuntos. Do mesmo modo, o leite pode estar relacionado com as oferendas que se faziam às águas das fontes e às cobras. A população mais antiga contava também que as cobras gostavam muito de leite. Uma das lendas das mouras de Formigais faz referencia à preferência das mouras por leite. Quando desencantada, a moura pode tornar-se humana e casar com o seu salvador ou desaparecer. Na "Lenda do cinto da moura", depois de desencantada os mouros tentam encantar novamente a moura e fazer com que retorne à mourama.
A mourama11 é um local mágico onde moram os mouros encantados. Nas lendas com um contexto histórico, é o local onde os mouros muçulmanos vivem.
O tempo da mouraria representa um tempo incerto no passado, a mesma referencia intemporal do "Era uma vez" ou o "Há muito muito tempo", com que começam os contos de fadas.
As mouras eram associadas a vários fenómenos naturais ou elementos da natureza. Acreditava-se que o eco era a voz das mouras. Algumas lendas contam que há locais onde ainda é possível ouvir uma moura a chorar.
Os monumentos funerários são frequentemente associados às mouras.12 Em algumas regiões, as antas são chamadas popularmente de mouras ou Casa da Moura, e antigamente acreditava-se que as mouras viviam nestas construções. A Pedra da Moura, a Antas de Pala da Moura, e a Anta da Arquinha da Moura são exemplo dos monumentos associados às lendas.
Outro tipo de sepultura associada às mouras são as sepulturas cavadas na rocha, como é o caso de Cama da Moura, Cova da Moura e Masseira. Segundo a narrativa popular, a sepultura chamada Masseira era o lugar onde a "moura amassava o pão".13 Numa outra versão da lenda, o monumento pré-histórico Pedra Escrita é o local da sepultura de uma moura.
Caçadores de tesouros[editar | editar código-fonte] A lenda do ouro das mouras atraiu alguns caçadores de tesouros. Na busca dos tesouro, as escavações feitas nos locais onde as lendas diziam haver tesouros causaram a destruição de alguns monumentos históricos como mamoas e antas.
Uma passagem do "Pseudo-Turpin" (Liber IV do Liber Sancti Jacobi): "Portanto foi-lhes imposto, sempre que acontecia, fugir do país e enterrar as suas jóias na terra" 14 pode ter influenciado, no passado, a crença de que haveria tesouros enterrados pelos mouros.

A BRUXA DE ÉVORA

A feiticeira ou bruxa de Évora é uma das personagens mais populares e misteriosas do folclore e das lendas da magia, especialmente na esfera da cultura popular. Sua biografia é dispersa, incerta, cheia de contradições. Até onde conduzem as pesquisas, não pode ser considerada figura histórica; no entanto, sua fama é suficiente para considerá-la arquétipo mítico de um certo tipo de bruxa, de feiticeira. Sobre uma Bruxa de Évora, como pessoa localizada em um tempo, sua identidade primeira e verdadeira, sobre isso não há, nenhum registro que possa ser considerado como Histórico, documental, de fonte confiável. Documentos referentes à Bruxa simplesmente inexistem. É difícil até mesmo determinar a época em que viveu. A maioria dos textos/livros sobre uma Bruxa de Évora afirma que ela viveu no século... Outros, dizem que viveu em meados da Idade Média. Todavia, um único de texto de referência permite supor que, na verdade, essa Bruxa é mais antiga, e que poderia perfeitamente ter vivido em pleno século III d.C.. Mítica, é possível que a primeira bruxa de Évora tenha sido tão poderosa e influente que seu nome tornou-se sinônimo para praticantes da bruxaria que vieram muito depois e também fizeram fama desde o antigo oriente Médio, Ásia Menor. Uma idéia de bruxa que alcançou não somente a Península Ibérica mas também toda a região costeira do Mar Mediterrâneo, os Bálcãs, as ilhas do mar Mediterrâneo: ao longo de séculos, a expressão "Bruxa de Évora", tornou-se algo como um título.
A BRUXA & O SANTO FEITICEIRO
As pesquisas sobre esta feiticeira indicam que boa parte de sua fama nasce junto com a fama de um outro mago negro controverso: CIPRIANO DE ANTIOQUIA que viveu no século III da Era cristã (anos 200). Este, depois de uma vida dedicada à magia negra, converteu-se ao Cristianismo e foi até canonizado passando fazer parte da história Cristã como São Cipriano. Segundo as lendas, pois as biografias desses personagens não têm registros históricos precisos, o nome "Bruxa de Évora" [ou Bruxa de Yeborath – Iebora, em árabe يعبره significando Cruzado, cruzamento, encruzilhada] aparece pela primeira vez, no contexto do estudo da História da Bruxaria, ligado ao nome do Santo feiticeiro. Ela teria sido uma das mestras do mago e ele, seu discípulo mais prestigiado, herdeiro de seus feitiços.
BABILÔNIA: FEITICEIRAS DE ENCRUZILHADAS NOS PRIMÓRDIOS DA BRUXARIA
A migração da mítica da Bruxa de Évora: da Babilônia até a Península Ibérica Porém, esse encontro NÃO ACONTECEU na península Ibérica, como sugere o termo designativo, distintivo da Bruxa, Évora que é uma cidade histórica de Portugal. Segundo a biografia do feiticeiro Cipriano, seu encontro com a Bruxa aconteceu na Mesopotâmia, na Babilônia, [atual Iraque] onde se reuniam os ocultistas que estudavam a magia dos antigos Caldeus [sobretudo Astrologia]. Os dois personagens, já legendários: Cipriano, o Feiticeiro e supostamente, um de seus Mestres, sendo uma certa Bruxa de Évora, parecem ser um caso de migração de mitos e sincretismo cultural. Ambos, Cipriano e a Bruxa, originalmente, parecem pertencer ao acervo das crenças e figuras mitológicas que chegaram à península Ibérica em diferentes períodos históricos mas que combinaram-se perfeitamente no universo da mítica do sobrenatural: primeiro, chega a lenda Cipriano, já difundida no Martirológio cristão: o caso do Feiticeiro e sua misteriosa mestra de Yeborath. O Bruxo que virou Santo. Mais tarde, o juntamente com os Mouros sarracenos que invadiram e dominaram o território a partir de 715 d.C., vieram as bruxas misteriosas do Oriente, quase ciganas, as bruxas das Yeborath ou Iebora, das encruzilhadas, das agulhas. E, se sobre a Bruxa não há registro históricos de espécie alguma, a não ser como arquétipo, sobre Cipriano, o Santo Feiticeiro, existem, ao menos, um parcos documentos, como sua Confissão depois da conversão ao Cristianismo. Como foi dito, Cipriano – o Feiticeiro não somente encontrou uma certa Bruxa de Evora em sua passagem pela Babilônia como dela teria herdado os livros, as poções, os segredos do poderes de sua Mestra. Considerando essa informação como fato possível, uma Bruxa ou feiticeira na/ou da Babilônia seria, naturalmente, versada naquele tipo magia característica da cultura Mesopotâmica, aquela normalmente classificada como magia das trevas, da mão esquerda, magia negra: Goecia, necromancia, vidência, evocações, parcerias com demônios, envultamentos [encantamento à distância: os bonecos de cera e as agulhas], oráculos. Essas bruxas e bruxos foram aqueles que preservaram alguma coisa das tradições da magia das tribos nômades e reino antigos de tempos ainda mais arcaicos entre os quais destacam-se os Caldeus e os Assírios. Era uma Magia de sombras, freqüentemente desprovida de escrúpulos, sem critérios éticos, que livremente associava-se com entidades não humanas e pouco confiáveis: demônios, gênios, formas-pensamento, elementais, espíritos de pessoas mortas. Uma bruxa assim poderia, mesmo ter existido. E não somente uma, mas várias. As bruxas de-ou-das Evoras seriam algo como uma categoria de feiticeiras. Voltando à etimologia da palavra Évora, embora sejam encontradas raízes em solo europeu, não se pode desconsiderar a Yeborath dos árabes que, como foi explicado tem como significado: Cruzado, cruzamento, encruzilhada. Uma etimologia que sugere a tradução do termo Bruxa de Évora para Bruxa de Encruzilhada ou, bruxa que faz seus trabalhos em encruzilhadas, lugar de Pactos. [Lembrando uma característica que lembra a divindade grega Hécate, senhora dos encantamentos e do mundo dos mortos.] Com uma pequena mudança gráfica e fonética, se Yeborath é dito Iebora, então o significado muda para Agulha, agulhas e assim resulta, Bruxa das Agulhas. Ou seja, uma bruxa que trabalha com agulhas [supõe este pesquisador, agulhas e bonequinho de cera. Meditemos]...
MAGIAS DE ÉVORA ANTES DE TUDO
Rastrear a trajetória geográfica da figura da "Bruxa de Évora" ao longo dos séculos passa, necessariamente pelo conhecimento do histórico da localidade de Évora até porque, se o folclore em torno desta personagem começa na Babilônia do século III d.C., a crença se perpetua além Oriente-médio, alcança com toda força mítica a vasta região da península Ibérica e, atravessando o Atlântico junto com os grandes navegadores portugueses e espanhóis, encontrou seu lugar no imaginário dos povos latinos-nativos-afro-americanos. Se, de fato, existiu uma bruxa de Évora cuja vida se cruza com a vida de São Cipriano, esta personagem viveu [ou teria vivido] no século III, os anos 200 depois de Cristo. Nesta época, Évora era uma cidade romana, a Libetalitas Julia, conquistada em 57 d.C.. Contudo, a palavra Évora, ao que tudo indica é a denominação popular da localidade, antes e depois do domínio romano e, ainda, são várias as explicações para a origem deste nome. Plínio, o Velho (23–79 d.C.) – filósofo e naturalista, cronista romano, em seu livro Naturalis Historia, chama o lugar de Ebora Cerealis, por causa dos campos de trigo que dominavam a paisagem. OS CELTÍBEROS Os povoamentos na região, cujo centro, hoje, é a cidade Évora, abriga sítios arqueológicos que datam da Idade do Bronze [1.800 a.C.] e outros ainda mais antigos, do Paleolítico, Neolítico, Calcolítico [Idade do Cobre, cerca de 3.000 a.C]; de muito antes da Era Cristã. Sobre o passado remoto de Évora escreve J. Saramago: Chamaram-lhe Ebora os celtiberos, e como Ebora Cerealis a tem nomeado Plínio, o Velho, na sua História Natural, o que servirá para dar testemunho de que as planuras transtaganas já davam pão pelo menos dez séculos antes que os "alentejanos" (os que viveram e vivem além do Tejo...) se tornassem portugueses (SARAMAGO, 2001). Mitologia-folclore cristão-pagão e sarraceno [mouros] são apenas dois dos elementos que se misturam na composição da lenda e das imagens relacionadas à Bruxa de Évora. Uma influência ainda mais recuada repousa na história dos fascínios e medos dos povos que habitaram a Península antes de romanos ou mouros. São os bárbaros celtiberos, dos quais fala Saramago no texto acima e outras nações várias que se miscigenaram com os supostos autóctones [nativos do local] lusitanos ou lusitani [em latim] a maior das tribos ibéricas. Os lusitanos propriamente ditos são, geralmente, considerados como proto-celtas, celtas primitivos, migrantes, provenientes do norte europeu, mais especificamente os Célticos.
MAGIA DOS CELTÍBEROS
Uma xamã, ou feiticeira ibérica, [ou um xamã, o gênero é incerto] figura central no culto da Fertilidade, no Ocidente. É uma sacerdotisa. No peitoral, sete símbolos do sol. British Museum. Estes primeiros habitantes organizados em aldeias e tribos da região, os celtiberos praticavam a magia européia ocidental mais primitiva, ainda eivada de crenças e práticas pré-históricas, como os sacrifícios humanos, por exemplo. Nesse contexto, o papel das mulheres tinha grande relevância posto que exerciam o papel de Xamãs, curandeiras que se utilizavam do conhecimento das virtudes e das peçonhas fornecidos pela Natureza, poções para o bem e para o mal extraídas de vegetais, animais e minerais. No alvorecer da História, as bruxas eram como médicas: do corpo, da alma; intermediárias entre os homens e as forças da Natureza. Foi essa magia primitiva que, aos poucos, transformou-se na Bruxaria da península Ibérica, resultado da interação com saberes de outras nações: romanos pagãos, romanos cristãos, bárbaros outros, pagãos originais ou romanizados; bárbaros cristianizados, Mouros (muçulmanos, Sarracenos). Sobre a relação entre Évora e os celtíberos, estudos indicam que, a palavra e o lugar podem estar ligados a uma antiga divindade celta cultuada na região: Eburianus cujo símbolo é a árvore do Teixo. Houve tempo em que os lusitanos chamavam a atual localidade de Évora de Eburobrittium (SÍMON, 2005). ERA UMA VEZ... LAGARRONA-LAGARDONA Segundo o livro de São Cipriano [o feiticeiro, século III d.C. anos 200], capa de Aço, no tempo em que os mouros viviam na região portuguesa de Évora, o rei mouro Praxadopel ali construiu um castelo, em Montemur. Nesse lugar, hoje chamado Castelo de Giraldo [referência a Geraldo, o Sem Pavor – ... -1173? herói da reconquista da terra lusa ocupada pelos mouros], transformado em ruínas pelo passar dos séculos, em meio às pedras, louvado nas noites escuras pelo uivo de lobos e chacais, no fundo da propriedade, ocultos embaixo de montes de pedras, no Túmulo de Montemur, foram encontrados os restos mortais de sete pessoas e pergaminhos escritos por Lagarrona, a Feiticeira de Évora (também chamada Lagardona ou La Guardona). * Os mouros, povos do oriente médio, somente poderiam ter ocupado a região depois período de expansão dos domínios árabes em suas incursões em território europeu, em uma época, portanto, pós-fundação do Islamismo. Porém as referências à uma bruxa de Évora remontam aos primeiros séculos do Cristianismo, por volta do século III, coincidindo com o período de vida de do bruxo Cipriano. Eis uma prova da dificuldade de identificar a historicidade dessa feiticeira tão famosa. BABILÔNIA BERÇO DA MAGIA OCIDENTAL Babilônia, é o nome em sentido amplo e popular de um dos mais importantes centros de Civilização da Antiguidade Clássica. Essa importância deve-se à geografia estratégica, mesopotâmica da região, entre potamus: terra situada entre dois rios, a saber, Tigres e Eufrates. Ali, ao longo de milênios, os mais diferentes povos se cruzaram entre batalhas sangrentas e composições políticas, alternando-se no poder. Pela ordem cronológica, as principais nações que deixaram suas marcas na Mesopotâmia foram: De ...?-3000 a.C. – SUMÉRIOS: Povo de origem misteriosa, possivelmente provenientes da Ásia Central ou, mesmo, da Índia. [Segundo teoria da exobiologia e da colonização planetária, os sumérios são herdeiros de reptilianos denominados Anunaki, oriundos do planeta Nibiru]. LINK: Anunaki, os Deuses Astronautas da Suméria 2.500 a.C. – Acádios [semitas] 2.100 a.C. – Elamitas 2.000 a.C. – Amoritas, segundo algumas fontes, ancestrais da Casa Judaica do Rei Davi. 1.750 a.C. – Bárbaros Cassitas. Introduziram o cavalo no pastoreio mesopotâmico. 1.000 a.C. – Assírios. Povo que desde 3.000 a.C. habitava as montanhas ao norte da Mesopotâmia. Belicosos, descendo as montanhas, dominaram a região por quase cinco séculos. Sua capital chamava-se Nínive e seus reis são figuras históricas famosas como: Sargão II [772-705 a.C.]; Senaqueribe [705-681 a.C.]; Assurbanipal [668-626 a.C.]. Os Assírios, famosos por serem sanguinários e cruéis, conquistaram quase todo o mundo civilizado de sua época: Síria, Fenícia, Israel, Egito. 612 a.C. – CALDEUS. Tomaram o poder comandados por Nabopolasar, pai do famoso Nabucodonosor. Escravizaram os judeus e durante sua hegemonia surgiu a figura do patriarca judeu Abraão, na cidade de Ur. 539 a.C. – A Babilônia dos Caldeus caiu sob o domínio dos Persas durante o império de Ciro. A PARTIR DOS SUMÉRIOS, politeístas e antropomorfos, e no natural processo de sincretismo religioso religioso resultante do contato de povos tão diversos, escreve o historiador McNall Burns: A religião sofreu, nas mãos dos antigos Babilônios, numerosas mudanças, tanto superficiais quanto profundas (McNALL BURNS, 1985 p 85). A superstições dominavam o imaginário popular. Continua o pesquisador: A astrologia, a previsão do futuro e outras formas de Magia cresceram em importância... houve um incremento na adoração dos demônios... Hordas... de demônios e espíritos malévolos escondiam-se na escuridão e cruzavam os ares [como bruxas...] espalhando em seu caminho o terror e a destruição. Não havia defesa contra eles, exceto os sacrifícios e os sortilégios mágicos. Se o antigo povo babilônico não inventou a feitiçaria... foi... o primeiro povo civilizado a dar-lhe um lugar de grande importância [no contexto da organização social]... (McNALL BURNS, 1985 p 86). NO PRINCÍPIO FORAM OS CÉLTICOS OS CÉLTICOS foram grupos de Celtas que começaram a chegar na Península Ibérica, ainda na chamada Idade do Ferro entre os séculos VII e IV antes de Cristo [anos 700 a 400 a.C.] e iniciaram a ocupação do Alentejo [onde localizam-se distrito e cidade de Évora] e Algarves, sul de Portugal. Por isso são também chamados Celtíberos ou Celtas-Íberos. Segundo Jorge de Alarcão, a designação célticos é um coletivo que abrange vários povos como os: Cempsii – também chamados cinetes seriam originários da Anatólia e do Cáucaso, de cultura proto-celta, celta ou pré-céltica Ibérica DATAÇÃO: século VIII a.C., citados por Herótodo – [485?–420 a.C] historiador grego no século V A.C.. Segundo uma Estela, Monumento de Pedra, monolítico, conservada até hoje no Museu de Évora, religião dos Cônios possui uma misteriosa ligação com o judaísmo: monoteísta, chamavam seu (s) deus (es), talvez secundários, de Elohim [embora Eloi seja o singular do plural deuses, elohim]. Túrdulos – herdeiros dos Tartessos, considerados pelos gregos como a primeira civilização do Ocidente e os Lusitanos, DATAÇÃO: 1000 a.C.. MÍSTICA CELTIBERA Também o pesquisador Antônio Alvarez, de língua espanhola, reconhece como primeiros povos históricos da Península Ibérica: Iberos, Tartésios, Celtas e os Celtíberos, como indica o nome, mistura de celtas e iberos. A maioria dos historiadores concorda que esses povos viviam conflitos constantes e guerreavam entre si com certa freqüência. Viviam em tribos. Eram caçadores, pescadores mas também agricultores e pastores. No âmbito do religioso e sobrenatural, os Celtíberos eram politeístas, adoradores do Sol, da Lua e das estrelas. Rendiam culto a espíritos de forças da Natureza que, acreditavam, habitavam as montanhas, os bosques, as águas. Porém, acima de todas a divindades, adoravam um Deus Único Supremo: o Desconhecido, que festejavam nas noites de lua cheia, dançando nas portas das casas e sacrificando vítimas humanas. (ALVAREZ, 1998 – p 404).
FOLCLORE DA FEITICEIRA EM PORTUGAL
Ruínas das muralhas: Castelo do Giraldo, cidade Évora – Portugal. O Castelo de Giraldo, mais que uma referência a uma edificação, refere-se a toda uma região que, hoje, é um sítio arqueológico de Portugal. No tempo em que os mouros viviam na região portuguesa de Évora [e os mouros chamavam a cidade de Yeborath a Liberalitas Julia da época da dominação romana], o rei mouro Praxadopel ali construiu um castelo em Montemur [região vizinha de Évora cujo centro é a cidade de Montemor]. Nesse castelo, hoje chamado Castelo de Giraldo, transformado em ruínas pelo passar dos séculos, em meio às pedras, louvado nas noites escuras pelo uivo de lobos e chacais, que, no fundo da propriedade, enterrada entre montes de pedras, está o Túmulo de Montemur. Nele foram encontrados os restos mortais de sete pessoas e pergaminhos [supostamente] escritos por LAGARRONA, a feiticeira de Évora. Frei Antão de Sis, estudioso dos fenômenos mágicos e da feitiçaria, através dos pergaminhos, encontrou a casa da bruxa, ainda em pé, apesar do tempo. Descreveu-a como uma casa diabólica... No meio dela havia uma cova da altura de um homem. As paredes internas estavam repletas de desenhos representando lagartos, cobras, lagartixas caracóis, rãs, escaravelhos, símbolos egípcios, vespas, baratas e outros bichos peçonhentos. Do lado de fora, havia quatro sapos e várias figuras de meninos tendo nas mãos molhos de varinhas de ervas com os quais ameaçavam os sapos. Ainda dentro da casa, em dos cantos dessa casa mal-assombrada havia a escultura de pedra de um cavalo-homem, como um centauro. Noutro lugar, outra estátua, esta, a de uma mulher-serpente. Em certo ponto do chão ladrilhado com cerâmica negra, uma inscrição: O primeiro a abrir esta cova Verá coisas jamais vistas Cava por diante para que resistas [enfrentes] ao grande temor que seu peito prova Verás sortilégios mágicos que prendem os homens, o filtro do amor que amarra as mulheres. Não temas, não temas. Não mostres temor: acharás sucessos, magia e amor e, por certo, em tudo será vencedor. Gran libro de San Cipriano o los tesoros del hechicero, 1985 A BRUXA DE ÉVORA NOS LIVROS Em Portugal A Bruxa de Évora é o modelo de bruxa. Mas não somente em Portugal: este modelo de bruxa está na fantasia de toda a Península Ibérica e nos territórios que foram descobertos e conquistados pelos grandes navegadores ibéricos da Idade Moderna. É praticamente inexistente o material documental sobre a pessoa específica de uma Bruxa relacionada, residente ou oriunda da região de Évora. Livros, biografias sobre essa personagem são poucos e contém informações de fonte duvidosa e/ou desconhecida. Edições de obras bem conhecidas não mencionam datas ou originais. Dois livros destacam-se nessa bibliografia exígua: O Livro da Bruxa ou Feiticeira de Évora de Amadeo de Santander e A Bruxa de Évora, de Maria Helena Farelli. No primeiro, no que se refere à biografia da Bruxa, o que se encontra, logo no primeiro capítulo é uma reprodução e/ou tradução de outro texto de autor praticamente desconhecido: capítulo do Livro de São Cipriano, sabe-se lá em qual de suas repetitivas versões mas, muito possivelmente da edição em espanhol Gran Libro de San Cipriano o los tesoros del hechicero. O capítulo, intitulado La Hechicera de Evora o Historia de La Siempre Novia (Siempre Novia, referência uma das lendas mais difundidas sobre a Bruxa) teria sido, supostamente, extraído [todo o capítulo] de um manuscrito cujo autor é um certo [ou incerto] Amador Patrício. FEITIÇO DA COBRA GRÁVIDA Outro supostamente episódio biográfico sobre a Bruxa relata o paradoxal encontro da Feiticeira com o Bruxo Cipriano, já cristianizado mas ainda especialista em bruxedos. O caso é conhecido com O Encontro de São Cipriano com a Bruxa de Évora. Neste encontro, Cipriano não parece um discípulo diante de uma antiga mestra. Ao contrário, é a bruxa, já em avançada idade que recorre ao novo cristão para realizar um feitiço que lhe renderia [a ela, bruxa] bom dinheiro. Trata-se do feitiço da cobra grávida, para segurar marido. O ex-bruxo propõe uma barganha: a conversão da bruxa ao Cristianismo em troca da fórmula mágica. A bruxa aceita e eis a feiticeira de Évora transformada em penitente velhinha cristã. Ao final, a receita profana, destinada a recuperar o marido da contratante, uma jovem senhora da nobreza, pede o favor para a réptil gestante [a cobra grávida!] mas, isso em nome de Deus e da Virgem Maria! Uma combinação extravagante de feitiço pagão e reza cristã. Santander, autor deste livro, O Livro da Bruxa ou Feiticeira de Évora, este autor é tão difícil de identificar e datar quanto a própria Bruxa de Évora. Ele começa sua obra sem qualquer introdução, identificando o período de vida da personagem que dá nome ao livro com o tempo da dominação Sarracena na península Ibérica, ou seja entre o século VIII e começo do século XII. Escreve Santander: No tempo em que os mouros viviam na região portuguesa de Évora... E ao longo do capítulo descreve o que seriam os últimos anos de vida da Bruxa, claramente qualificada como Moura, muçulmana. No relato, a feiticeira tem um filho adulto e mau. Chamado Candabul, desejou possuir uma jovem donzela cristã. A bruxa ajuda no rapto da moça, providencia a morte por enfeitiçamento todos os pretendentes dela. Mas o mal-feitor é preso e condenado à morte. Mais uma vez a bruxa interfere e se empenha em produzir mágicos meios de fuga para Candabul. LA GUARDONA, O FANTASMA DA BRUXA Caçada pelos agentes da Lei, depois de várias peripécias, ela acaba morrendo durante um acidente na realização de um de seus feitiços, que fazia em uma tentativa desesperada de escapar da Justiça. Quando chegaram os soldados, encontraram-na morta. Não foi sepultada. Como punição post-mortem, foi pendurada na porta da própria casa e ali ficou apodrecendo e sendo devorada pelos abutres e vermes. O cadáver, lentamente virando ossada, oscilando ao sabor das ventanias, era uma visão macabra que parecia vigiar o lugar e a bruxa morta passou a ser chamada de La Guardona [ou, as corruptelas, Lagarrona e Lagardona], algo como A Guardiã... da casa, de suas ruínas e arredores. O local, naturalmente, passou a ser temido e considerado como assombrado [Gran Libro de San Cipriano o los tesoros del hechicero, 1985]. Todavia, mais adiante, quando fala do encontro da feiticeira com o ex-mago negro, o autor [Santander] ignora completamente os dados históricos que, se pouco dizem também sobre a vida do bruxo Cipriano, ao menos bem determinam a data de sua morte, martirizado por ser cristão em 304 d.C., muito antes, séculos antes, portanto, da Bruxa de Santander ter protagonizado aquelas aventuras. No episódio do feitiço da cobra grávida, o fim da bruxa é outro: cristianizada, bem aposentada com o ouro do último bruxedo que fez por contrato e empregada como Aia [criada pessoal] de uma condessa. LENDAS, FÓRMULAS & SEGREDOS Torna-se claro que os relatos sobre a bruxa de Évora são de fato, um conjunto de lendas e seus supostos escritos são de origem desconhecida, excertos de Grimórios mais antigos de autoria igualmente duvidosa. Alguns são atribuídos a este ou aquele mestre mais conhecido na esfera do folclore, da cultura popular, como Alberto, o Grande, Papa Honório, bruxo Atanásio e o próprio Cipriano, o feiticeiro. Muitas das receitas dos Grimórios são fórmulas de remédios caseiros, acervo de um saber muito útil em uma época em que a medicina dispunha de toscos recursos e médicos com estudo eram poucos e para ricos. Muitos dos Segredos da Bruxa revelados no livro de Amadeo de Santander fazem parte da sabedoria popular dos curandeiros e curandeiras de linhagem imemorial, uma herança que durante muito tempo foi preservada e transmitida através da cultura oral. A própria Bruxa apresentada por A. de Santander em sua pretensa-original tradução-reprodução do Único e autêntico manuscrito comprovado pelos sábios da Galícia extraído do Flor Sanctorum, datado dos tempos dos mouros de Évora, a feiticeira comenta revelando algo possivelmente verídico na vida de muitas Bruxas de Évora: que seus conhecimentos foram-lhe ensinados pela mãe, segredos passados de geração em geração. Explicando a Cipriano em que consiste o seu [dela] feitiço da Cobra Grávida Para Prender Marido ela revela algo de recorrente na biografia dessas bruxas de Encruzilhadas: É pele de cobra com flor de suage [ou sage, Artemisia vulgaris ou, ainda, flor-de-são-joão, erva-de-são-joão, artemísia-verdadeira, losna, absinto. L.C.] e raiz de urze [Erica Lusitanica ou torga e/ou Calluna vulgaris] que estou queimando em nome de Satanás, para defumar as roupas do duque [o Grão Duque de Terrara] e ver se o desligo daquela mulher [uma amante]. Esta mágica foi sempre infalível quando minha mãe a praticava debaixo dessas abóbodas em que as mãos dos homens não tomaram parte. Minha mãe desligou com ela [a tal magia] mancebais [relações extraconjugais] de nobres e monarcas... (SANTANDER, p 13) Compilados em manuscritos medievais, organizados em volumes raros, artesanais, ornados com finas iluminuras, a grande enciclopédia dos saberes populares, pagãos, curiosamente, começou a ser organizada, não raro, pelo monges escribas das grandes escolas e bibliotecas de mosteiros da Cristandade medieval. Provavelmente foi da pena dos monges que surgiram os primeiros Grimórios e/ou Engrimanços. Com o advento e evolução da imprensa, ou seja, depois de Johannes Gutenberg [Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg, 1398-1468 – alemão, considerado inventor/introdutor da imprensa no Ocidente], esses conhecimentos documentados em registros escritos tornaram-se disponíveis em numerosas cópias que ganharam o mundo em letras de forma, em publicações variadas, de folhetos baratos, almanaques de curiosidades até custosas e exclusivas edições.
O ENCANTAMENTO DA BRUXA
...a Bruxa de Évora foi vista voando em um bode preto... voava... acompanhada por um veado e um javali alados... (FARELLI, 2006 p 26) Em A Bruxa de Évora, Maria Helena Farelli (2006) apresenta a personagem como arquétipo folclórico luso-hispano-brasileiro, com ênfase nas raízes portuguesas da lenda, já devidamente hibridizadas entre: 1. o druidismo celtíbero doméstico; 2. o culto romano à deusa Diana [correspondente à grega Artemis], cujas ruínas do templo ainda podem ser visitadas em Évora; 3. a figura mítica da moura feiticeira, freqüentemente apresentada, simplesmente e depreciativamente como a Moura Torta, um modelo de bruxa, tudo isso misturado ao – 4. ritualismo cristão das orações e adoração dos santos e das relíquias e nome sagrados. Em Farelli (2006), a narrativa passa, como é necessário, pela história da nação lusitana, detendo-se em período em que a cultura popular mística-religiosa já tinha absorvido elementos que ficaram como herança do tempo da dominação islâmica-sarracena em toda a península Ibérica. Boa parte dessa herança consiste no universo misterioso na magia semita, caldaica, mesopotâmica: dos magos-alquimistas, astrólogos, videntes, quiromantes, necromantes – invocadores de gênios e espíritos dos mortos, magia-negra, também, sim, da mais antiga tradição árabe, pré-Islã. Segundo Farelli a Bruxa de Évora era a ...guardadora dos segredos dos feitiços do Oriente, a que voava em camelos alados... (FARELLI, 2006 – p 15). Sobre o sincretismo no qual foi forjada a Bruxa de Évora, a autora escreve: ...o português sempre acendeu uma vela para Deus e uma para o outro. Até na Igreja ele fazia mirongas... Até os padres eram acusados desses feitos. Mas os considerados grandes bruxos eram os mouros e os judeus... (Idem, p 29). E mais: ...segundo a lenda, a Bruxa de Évora era moura... árabe ou mourisca... morena... (Ibid., p 29). BRUXA ERUDITA Em relação à aparência, A Bruxa de Évora (FARELLI, 2006) apresenta o arquétipo folclórico da personagem em sua velhice. Esta esta é uma daquelas bruxas velhas e esquivas dos contos infantis. Mas, ao contrário do modelo da curandeira intuitiva, analfabeta, camponesa ignorante cujo conhecimento é todo proveniente de experiência pessoal e herança de tradições orais, em Farelli (Idem) a bruxa de Évora é praticamente uma erudita. Alfabetizada, poliglota, ela fala, lê e escreve em português [o gentílico da época], árabe e latim. Sem citar sua fonte de informação, a autora enfatiza: Sabia matemática... reconhecia as estrelas,... sabia ler a sorte nas areias... Ela conhecia a magia de seus ancestrais muçulmanos* mas, vivendo no século XIII [anos 1200], também sabia [da magia] dos celtas... (FARELLI, 2006 – p 33). Todavia, a moura pagã era, ao mesmo tempo, devota cristã: ...a velha bruxa já tinha feito a peregrinação a Santiago de Compostela [tradição cristã]... Já tinha ido à Sé de Braga, muitas vezes, pagar promessas... (Idem) ...E, ainda: ...a bruxa de Évora não era uma herética. Era uma mulher que conhecia as rezas (Ibid., p 41). * Um equívoco comum do olhar superficial do Ocidente sobre o Oriente. Há muito tem-se confundido cultura árabe com cultura de muçulmanos. A magia não poderia ser praticada por uma muçulmana. O Islã proibiu, sujeitando a severas penas, a prática da magia tradicional pré-islâmica. Na verdade, a famosa riqueza da cultura árabe precede o Islã; uma riqueza que o Islamismo cuidou de mutilar ao longo de mais de um milênio e declina, mais e mais, com a expansão e recrudescimento fundamentalista da fé no Alcorão e sua teocracia – repressiva, opressora e regressora, baseada em leis supostamente religiosas suplementares – as Sharias, diferentes para as diferentes seitas muçulmanas, que ignoram até mesmo os preceitos estabelecidos no confuso livro sagrado desses crentes. Além disso, essa Bruxa de Évora era uma senhora em situação social e de comportamento atípicos para sua época. Vivia bem [ou seja, não passava dificuldades financeiras, materiais]. Tinha dinheiro proveniente da prestação de seus serviços mágicos e/ou técnicos-científicos. Porém, consciente do espírito dos tempos medievais, não ostentava riqueza ou poder. Era discreta, sabiamente. Andava pobremente vestida, Era seu jeito de ficar invisível e evitar confrontos com as autoridades religiosas.
O LIVRO DA BRUXA QUE NÃO É DA BRUXA
Flos Sanctorium ou Flos-Santorio: Flor dosSantos Como todo ocultista, seja leigo ou erudito, considerando uma figura histórica da Bruxa como precursora ou símbolo de um mito, a Bruxa de Évora, alfabetizada que era possuía ou devia possuir seu próprio Livro [ou livros] de estudos e anotações contendo fórmulas de elixires, ungüentos, poções, rezas, rituais e outros saberes. Nos meios exotéricos, o livro de registros pessoais de uma bruxa é chamado Livro das Sombras. Um possível Livro da Bruxa de Évora seria – ou foi e é, um objeto que, se autêntico, atraiu e atrai curiosidade e cobiça proporcional à força lendária de sua suposta autora. Um objeto digno de um Museu de história da cultura ocidental. De fato, este Livro é um dos elementos mais explorados do folclore em torno da Bruxa; explorado, inclusive, no mercado editorial. Porém, o texto que tem atravessado séculos e que Amadeo Santander reproduz em seu Livro da Bruxa (s/data), este texto é uma mutação de autoria desconhecida o suficiente para ser considerado de domínio público. Na folha de rosto de uma edição recente Santander e/ou a editora [seja lá quem for este autor] declara que a obra reproduz o único e autêntico manuscrito... [cópia] do original extraído dos Flos Sanctorum, datado do tempo dos mouros de Évora. Esta informação é uma encruzilhada na pesquisa: ocorre que o Flos Sanctorum [ou Florilégio dos Santos, Flor dos Santos] a princípio, é Hagiografia: um livro que reúne biografias de santos [?!]. E a situação se complica posto que o Flos Sanctorum, segundo estudos é, por sua vez, reedição de um livro mais antigo, A Lenda Áurea ou A Legenda Áurea que também é, essencialmente, coletânea de vidas de santos, escrito-compilado por Jacobus de Voragine [1230-1298, italiano, religioso dominicano, arcebispo de Gênova], datado em em torno do ano de 1260. A questão é: como pode, o Livro da Bruxa apresentado por A. Santander ser extrato, derivação de um Flos Sanctorum de qualquer século? Tudo indica que o Livro da Bruxa não é, de modo algum derivado de manuscritos de uma Bruxa de Évora. O nome da Bruxa, nesse caso, tal como no caso do penitente Bruxo Cipriano é usado como atrativo de mercado. Caso simples de propaganda enganosa. Em ambos os casos, os Livros atribuídos aos lendários autores são coletâneas de simpatias e receitas populares, tradicionais, resgatadas do acervo da cultura oral, misturadas com rezas e saberes práticos destinados a solucionar os problemas do corpo e da alma do Homem medieval. MAGIA PRÁTICA, MUITO PRÁTICA comentário ao conteúdo de O Livro da Bruxa de A. Santander No livro de A. Santander as receitas mágicas, feitiços, oráculos, começam no CAPÍTULO III com uma técnica muito útil, atemporal! que pode funcionar em qualquer época, para as mulheres se livrarem dos homens quando estiverem aborrecidas de os aturar. A seguir, uma receita infalível para as mulheres não terem filhos, tão útil quanto anterior ou mais, método bastante tradicional, utilizando esponjas do mar introduzidas na vagina antes do coito, truque já usado no Egito Antigo, por exemplo. Há magias para sedução, rejeição e fidelidade, para prosperar no trabalho honesto ou desonesto. Oferece proteção contra inimigos, oráculos para saber do presente e do futuro, feitiços e contra-feitiços. O CAPÍTULO IV resgata a figura do mago egípcio Janes [que, juntamente com seu parceiro, Jambres], que confrontou Moisés e Arão diante do Faraó com uma disputa de poderes mágicos. Este personagem, o mago egípcio Janes, pouco lembrado nos dias correntes, também é citado nos Livros de são Cipriano, fortalecendo as alusões a uma ligação, mestra-discípulo entre o Santo Bruxo e a Bruxa de Évora. Em uma das versões da fim da vida da Bruxa, ela é convertida ao cristianismo por Cipriano e termina sua vida como devota católica e aia [camareira pessoal] de uma aristocrata. Neste capitulo,continuam sendo listadas magias relacionadas com questões mundanas,cotidianas,incluem ainda, receitas de beleza: Para conservar a formosura, para afinar, limpar e clarear a pele, tingir os cabelos. Em uma das formulas o mago Jambres promete: ...Fazer sumir do corpo e do rosto as verrugas, manchas e outras excrescências da pele. O CAPITULO V é dedicado à Pastoromancia, denominação imprópria, refere-se à chamada, por ocultistas como Eliphas Levi [Alphonse Louis Constant, 1810-1875] e Papus [Gérard Anaclet Vincent Encausse, 1865-1916], magia dos campos, da tradição dos pastores da Sicilia, Itália. E não são propriamente magias. São receitas, mais especificamente, medicinais, parte do arsenal curativo popular dos precários tempos medievais. São remédios e rezas para combater, solitária [Taenia solium, verme platelminto], hemorróidas, lesões musculares, surdez, dor de dentes, feridas, úlceras, hemorragias, queimaduras, picada de insetos e animais peçonhentos e, é claro, receita contra calos e verrugas. O CAPITULO VI promete revelar o segredo alquímico da arte de fazer ouro. Porém, como sempre acontece nesse tipo de "literatura" o texto nada fornece de aproveitável sobre o tema. Aliás, passa longe de qualquer fórmula de produzir ouro. São mencionadas umas poucas substâncias muito usadas em outras operações mágicas registradas em outros manuais do gênero. Tais substancias seriam ingredientes-chave da transmutação de materiais ordinários no precioso metal. Escreve Santander: Não faltam nos livros verídicos [?] exemplos que comprovem essa operação. E ainda: Esta arte é de grande facilidade [!] mas exposta a graves perigos porque não se pode executar em a cooperação do demônio (SANTANDER, p 59). É o demônio quem prepara e fornece certos pós empregados na transmutação. Dois metais e uma outra substância são mencionados como ingredientes essenciais: argenteo vivo [possivelmente interpretável como Alumínio (Al) mas muito mais provável que seja redundância esclarecendo o azougue como sendo e elemento Mercúrio cujo símbolo é Hg provém da designação latina – hydrargyrum que significa prata líquida. De fato, o Mercúrio assemelha-se a uma prata buliçosa e vívida [por sua consistência entre o fluido e o gel]; daí também a denominação azougue [para o mercúrio], aludindo a algo buliçoso, que não para quieto. Finalmente, entre os ingredientes da transmutação comentada em O Livro da Bruxa é mencionado um misterioso pó de Resh [Veja box ao lado].
CAPÍTULO VII – TESOUROS DA GALIZA
Galiza ou Galícia é uma comunidade autônoma espanhola, fronteira com Portugal, situada a noroeste da Península Ibérica. Sua capital é Santiago de Compostela, na província da Corunha. As informações sobre estes tesouros foram alegadamente extraídas de um pergaminho que teria sido encontrado nas ruínas do castelo mourisco de Altamira [abaixo] no ano de 1065.
Sobre o paradeiro do pergaminho (no século XX) diz o autor (Santander) que encontra-se [ou encontrava-se...] em Barcelos, [cidade portuguesa, norte do país], na Biblioteca Acadêmica Peninsular Catalã. Muito danificado, o pergaminho tem partes carcomidas e em alguns casos não se entende bem (SANTANDER, p 63]. Na verdade, todo o texto sobre os supostos Tesouros da Galiza não se entende nada bem, por exigüidade de informações e/ou por arcaísmos nas denominações topográficas, medidas de distância e valores. Os termos usados nos textos dos 173 (cento e setenta três) segredos estão repletos de termos muito antigos. Exemplos: Encruzilhada de Lobios, distância de 32 homens... depositamos 500 cunhos, na ponte do Poderoso, à profundeza de dois homens... [na]... residência de frei Tramudo... um haver de prata em rama... entre dois troncos de pinheiro, etc. Deste modo, as dezenas de segredos que deveriam revelar ou fornecer chaves de localização de tesouros, parecem nada significar; de nada servir aos caçadores das arcas e das botijas perdidas. Todavia, se um crédulo ou teimoso arriscar apostar em algumas das 173 dicas vai precisar estudar exaustivamente para decifrar/traduzir os nomes de localidades, que mudaram muitas vezes, identificar personagens históricos, descobrir e converter para termos atuais valores das distâncias e das supostas riquezas. CAPÍTULO VIII – ORÁCULO DOS SEGREDOS REVELADOS PELA FEITICEIRA DE ÉVORA São 108 estes segredos que o autor (Santander) classifica como maravilhosos. Porém o capítulo, na realidade apenas reúne mais receitas, cujo teor oscila entre a superstição e o curandeirismo mais popular. Pretender fornece fórmulas para uma miríade de problemas da condição humana: desde a prática de proezas sobrenaturais, remédios caseiros para questões domésticas mais ou menos ordinárias ou, ainda artifícios para alcançar desejos pouco louváveis e, certamente, nada cristãos. Em termos gerais trata da saúde e higiene básicas, das virtudes de certas substâncias e de outras coisas, dos truques mágicos para obter vantagens, das operações consideradas sobrenaturais, como a levitação. São outros exemplos desses segredos textos que tratam de assuntos como: Em saúde e higiene – Cura de dores de cabeça, evitar pulgas, carrapatos, percevejos, piolhos, formigas, moscas; são remédios par lombrigas, tosse, catarro. diarréia, desinteira; para evitar a sarna, para conhecer enfermidades pelo exame da urina, para manter a castidade, para cobrir os cabelos brancos. Para manter a castidade... Sobre virtudes de substâncias e de certas coisas – Do vinagre, da urina, do ovo, da Genebra, da Artemísia, do Jacinto, do sono, de peles descartadas na muda das cobras. Para conhecer as enfermidades pelo exame da urina. Sobre as virtudes do sono. Prodígios – Tirar o sal da água do mar. Separar água e vinho. Para que um cavalo pareça manco não sendo. Para não sentir tédio nem cansaço em uma jornada. Para o fogo não queimar. Descobrir infidelidades. Fabricar uma lâmpada invisível.
CAPÍTULO IX – FRENOLOGIA, ANTROPOMETRIA & FISIOGNOMIA
Phrenologie, 1894. Friedrich Eduard Bilz (1842-1922) VEJA AQUI, ampliação de similar, em inglês, com imagens ao invés de legendas no cérebro. Trata-se de conhecer os indivíduos pelo estudo ou leitura do Crânio [fenologia], das Proporções e aspectos das partes do Corpo [antropometria] e dos traços do rosto [fisiognomia]. Capítulo bastante curioso que, muito provavelmente, mistura sabedoria popular com idéias científicas que tornaram-se populares. Além disso, esse tipo de conhecimento é matéria essencial para qualquer magista e/ou ocultista, uma tema especial entre todos os tópicos dos estudos das Ciências Humanas [no ocultismo]. Embora estas ciências tenham origens muito antigas, o texto de Santander em O Livro da Bruxa é fundamentado nos estudos do médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828, que mapeou crânio e cérebro segundo suas supostas funções): Gall, o notável médico e fisionomista... é o autor deste engenhoso sistema, que ensina a descobrir, por claríssimo modo, as inclinações, vícios, paixões e virtudes de todas as pessoas pelo simples exame e configuração do crânio. ...Não se pode por em dúvida a lógica desse sistema. ... Os homens mais notáveis, tanto por seus talentos como por seus crimes, raras vezes apresentam cabeças regulares [SANTANDER]. Santander fornece a lista das faculdades cerebrais, que são trinta associadas a trinta regiões crânio-cérebro, mas não apresenta o mapa concebido por F. J. Gall. A seguir passa a tratar da fisiognomia, estudo dos traços e formas do rosto fornecendo algumas dicas sobre a leitura dessas características: formato, tamanho dos olhos, nariz, testa, boca, dentes, queixo, orelhas, mãos, pés. Também fala dos tipos físicos como um todo, considerando altura, compleição, postura. Porém, o estudo apresentado por Santander muito superficial se comparado a outros publicados por ocultistas mais eruditos, como Papus [Gerard Anaclet Vincent Encausse, 1865-1916]. CAPÍTULO X – CARTOMANCIA Neste penúltimo capítulo, mais uma vez, misterioso manuscrito revelaria a técnica da suposta Bruxa de Évora no ofício oracular de ler o destino das pessoas nas cartas de um baralho comum. Na misérrima choça que abrigava a bruxa, sua última morada antes da condenação e num falso compartimento que lhe servia de dormitório, foi achado um manuscrito esta nova arte de deitar as cartas, a que demos o nome de cartomancia cruzada e, ao que parece, [desta técnica] a feiticeira começou a fazer uso depois de ter-se indisposto com Satanás [supostamente, a Bruxa converteu-se ao Cristianismo por influência do também ex-feiticeiro Cipriano – [p 139]. Observação: Na cartomancia, as cartas podem deitadas [tiradas e postas na superfície de um plano] em disposição linear, uma ao lado da outra, é muito comum. A forma cruzada dispõe as cartas de modo a formarem a figura de uma cruz, com uma tiragem de cinco cartas, por exemplo. Isso isentaria a prática de tirar a sorte do estigma do pecado que consiste, justamente, em fazer uso de oráculos. Meditemos... CAPÍTULO XI – SOBRE ASSOMBRAÇÕES Finalizando o Livro, Santander apresenta uma pequena coleção de casos de assombrações, sem faltar a célebre casa assombrada de Atenas e referências a personagens do folclore histórico, especialmente da península Ibérica, como: o Frade da Mão Furada e a Velha nos telhados das casas. Crenças que chegaram ao Brasil colônia como atestam pesquisas de estudiosos do assunto.